Então aparece este homem delicado, que vem trazendo flores, e as distribui a qualquer pessoa que aparece. O que ele quer passar é uma mensagem de paz. Simplesmente. Mais nada. Mas a gente sabe que uma mensagem, para ser bem compreendida, deve ser explicada ao máximo, senao damos ao outro o poder da conclusão. E essa conclusão pode não corresponder à intenção do mensageiro. E aí? É aí que as relações começam a se definir, a partir daquilo em que a gente ACREDITA que o outro pode nos oferecer.
Um homem desconhecido te entrega uma flor. E não diz nada. Apenas sorri. Nós, armados, já franzimos a testa como se houvesse ali, naquelas pétalas, um quilo de ofensas escondidas. Porque ninguém hoje em dia oferece flores, oh meu deus! Seria ele um maníaco? Ele quer me seduzir com uma mísera flor? Ah não! Essa não! um homem me oferecendo flor? Qualé rapá! Tá achando que eu sou frutinha? Diz o homem atrasado para o trabalho. Vai mandar flor pra sua mãe! E o machão vai embora pisando firme e dando porrada por aí, provando ao público que o assiste (?) que ele é macho, muito macho! Já o homossexual guarda aquela flor num livro de historias eróticas para se lembrar sempre daquele homem que lhe deu uma flor. Ou melhor; para se lembrar que um dia, sem mais nem menos, um homem lhe ofereceu uma flor. a mãe da criança briga com ela, porque aceitou algo de um estranho - já te disse para não conversar com estranhos! É dá um tapa na mão da menina, que , assustada, começa a chorar. Mas, com coragem, o homem entrega uma flor ao garotinho que vem logo ali. O pai do garoto olha para o homem com um olhar fulminante, como quem diz quem é você para oferecer flor pro meu filho!? Quer que ele vire viado?
Devia o homem desistir das crianças?
Ele entrega aflor a uma senhorinha que vinha carregando sua bolosinha de crochê em baixo do braço, caminhando lentamente pela rua, como se o tempo estivesse a seu favor. Ela pára, olha para a flor, olha para o rosto do homem que sorri, e lhe agradece. Que bonita flor! Há quanto tempo nao recebo uma flor! Bate-lhe no rosto de leve, como as avós fazem, quando recompensam seus descendentes por uma boa ação, e vai embora, feliz, por saber que ainda existem pessoas que realizam delicadezas sem que isso seja uma troca. Logo adiante, ele vê um senhor, de mãos dadas com seu netinho. E entrega uma flor para cada um. O avô diz "mas que linda flor!" e o neto concorda "muito bonita essa flor vermelha, vovô!" e param para observar o homem que entregava flores. E ali, sentados, apenas observando, aprendem que há pessoas que ainda conseguem gostar de pessoas. Há pessoas que gostam de fazer lembrar que os pequenos gestos podem ser os maiores. O avô e o neto também puderam ver que há pessoas que recusam as flores -elas nao entendem que metade da vida é a forma como a enxergamos, e que saber receber, às vezes, pode ser a maior recompensa que se pode dar.