sábado, 6 de outubro de 2012

A Sra. e o seu cachorro

Berta era uma senhora muito bonita. Loira, seus cabelos ainda esvoaçantes, apesar de 50 anos de tinta, e olhos cor de água marinha. Batom cor de rosa sempre. Correntinha de ouro com a imagem de nossa senhora, que ganhara quando completara 15 anos, enfeitava seu pescoço perfumado com Colônia de Alfazema. Tinha 5 irmãs e abusava de estampas floridas. Morava com as 2 irmãs que não se casaram. Eram todas da mesma faixa etária. Todas nascidas por volta de 1940...



Já havia muito tempo, alguns meses, que Berta tinha visto um anúncio sobre adoção de cachorros abandonados. Como já era uma senhora, tinha resistência a novas idéias e grandes mudanças. Mas como, ao mesmo tempo, queria muito um cachorro em sua vida, insistiu no pensamento e, finalmente, foi ao canil escolher seu novo companheiro. Eram muitos. Alguns com os quais ela não simpatizara, mas a maioria era bastante carismática. Enquanto analisava todos cuidadosamente, um deles se aproximou, assentou-se a seus pés e ficou lhe encarando. Eles trocaram olhares, mas Berta continuou a procura, até que sentiu aquele cachorro abraçando sua perna, roçando em sua pele nua e encostando seu membro quente em sua canela de pele fina. Sentiu sua face queimando e abaixou os olhos, envergonhada. Rapidamente pegou o cachorro no colo e se apressou para que pudesse logo chamá-lo de “meu, meu cachorro”.



Um dia Berta chegou com uma novidade nos braços. Com sua boca cor de rosa anunciou às irmãs que a casa agora tinha um novo morador. Lucky. De “sortudo”. Sortudo porque vai viver entre três mulheres, disse Berta. E as três logo chegaram e acariciaram Lucky como se ele fosse realmente um saudoso membro da família. E a partir deste dia todas as visitas tinham que tratar Lucky da mesma forma como tratavam as irmãs. E elas deixavam isso claro, de maneiras que beiravam o constrangimento, como, por exemplo: “pega na patinha dele pra dar boa noite”... E isso deu o que falar, principalmente entre as outras irmãs (as casadas), que por terem muitos filhos, netos e agregados, não tinham espaço em suas mentes e corações para animais de estimação. A não ser uma delas, que, de tempos em tempos, trocava os peixes de seu aquário... mas isso é outra história. O que importa agora é que ninguém entendia o porquê daquele tratamento ao cachorro.



A rotina na casa das “meninas” era normal: refeições, faxinas, regar o jardim, fazer compras, fofocar “um pouco”, pensar na vida. Essa ultima atividade era feita, geralmente, com uma em cada canto da casa. Mas elas não sabiam que esse era o momento em que mais concordavam entre si. Por que, para aquelas três mulheres, o que faltava era a mesma coisa. E era sempre sobre essa falta que elas passavam a maior parte do tempo pensando quando não havia maiores preocupações. Mas, com a chegada de Lucky, finalmente elas conquistaram o que as fazia tão pensativa. Afinal, agora, todas elas tinham alguém para chamar de seu.